quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

TEORIA GERAL DO DIREITO SOCIETÁRIO

Autor:
Felipe F. Santos
Acadêmico de Direito da Universidade Católica de Santos e Estagiário da 3ª Vara Federal do TRF - 3

1. SOCIEDADES
O contrato de sociedade é a convenção por via da qual duas ou mais pessoas se obrigam a conjugar seus serviços, esforços, bens ou recursos para a consecução de fim comum e partilha, conforme o estipulado no estatuto social, dos resultados entre si, obtidos com o exercício de atividade econômica continua, que pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados[1].Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados (CC, art. 981, caput). Existem duas espécies de sociedades, a simples e a empresária. A sociedade simples é a pessoa jurídica que realiza atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa (CC, art. 966, parágrafo único). Mas, cabe dizer que a sociedade de natureza simples não tem seu objeto restrito às atividades intelectuais[2].
Sociedade empresária é aquela pessoa jurídica que visa ao lucro ou ao resultado econômico, mediante exercício habitual de atividade econômica organizada como a exercida por empresário, sujeito a registro (CC, art. 967), com o escopo de obter a produção ou circulação de bens ou de serviços no mercado(CC, art. 966). É pessoa jurídica de direito privado não-estatal, que explora empresarialmente seu objeto social ou forma de sociedade por ações[3], com fundamento, o Código Civil assenta no art. 982 a distinção entre as duas sociedades, estabelecendo como sociedade empresária àquela que tiver por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro e simples quem não explorar o seu objeto social com empresarialidade.
São sociedades empresárias: em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade em comandita por ações, sociedade limitada e sociedade anônima ou por ações. Mas, as sociedades por ações serão sempre sociedades empresárias e as cooperativas sempre serão sociedades simples (CC, art. 982, parágrafo único). Decerto, a natureza de sociedade simples da cooperativa, por força legal, não a impede de ser sócia de qualquer tipo societário, tampouco de praticar ato de empresa[4]. A sociedade simples não pura[5] se constitui de conformidade com um desses tipos acima indicados, será sociedade simples pura se não se constituir nos moldes desses tipos de sociedades, não alterando o caráter da sociedade simples, pois, a opção pelo tipo empresarial não agasta a natureza simples da sociedade[6], posto isto, fundamentado no princípio da autonomia contratual encabeçado no art. 170 da CRFB.

2. PERSONALIZAÇÃO DA SOCIEDADE.
A sociedade se constitui mediante inscrição do ato constitutivo no registro competente e, quando necessário, precedida de autorização ou aprovação pelo Poder Executivo, com a observância dos requisitos arrolados no art. 46 do CC. A sociedade simples se dá mediante contrato social escrito, particular ou público, contendo todos os elementos encontrados nos incisos do art. 997 do CC. Junto desse virá o pedido de inscrição, a procuração e autorização do Poder Executivo, se houver (CC, art. 997, § 1º). A sociedade deverá requerer, no prazo de trinta dias após a sua constituição, a inscrição do contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas no local da sua sede (CC, art. 998), a falta do registro do contrato social ou de alteração versando sobre matéria referida no art. 997, conduzem a aplicação das regras das sociedades comuns (CC, art. 986)[7].
O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária (CC, art. 1.150).
Nas sociedades, o registro observará a natureza da atividade (empresária ou não – art. 966); as demais questões seguem as normas pertinentes ao direito societário adotado (CC, art. 983). São exceções as sociedades por ações e as cooperativas, diante do exposto no art. 982, parágrafo único[8].
Nos casos de sociedades rurais, ou seja, cujo objeto social é voltado ao cultivo, desenvolvimento agrário, há a equiparação da sociedade rural à empresária desde que constituída ou transformada segundo os tipos regulados nos art. 1.039 a 1.092 do CC, nos termos do art. 984.

2.1. CONSEQÜÊNCIAS DA PERSONALIZAÇÃO.
Segundo Fabio Ulhoa Coelho.
Titularidade negocial, a sociedade é pessoa jurídica, sujeita de direito, personalizada e capaz, assim a sociedade responderá por todos os negócios jurídicos realizados pelos sócios em nome dela[9].
Titularidade processual possibilita a pessoa jurídica a ser demandada e demandar em juízo. Logo, é a sociedade que detém capacidade processual, sendo ela citada pelo seu representante legal. O Código de Processo Civil, em seu art. 12, inciso VI, estabelece a representação em juízo, ativa e passivamente, das pessoas jurídicas por quem o estatuto designar, ou na ausência desse, pelos diretores.
Responsabilidade patrimonial, o patrimônio da sociedade é inconfundível e incomunicável, o que significa dizer que os bens dos sócios não serão excutidos pelas dívidas da sociedade. No entanto, os bens dos sócios poderão responder pelas obrigações da sociedade em hipóteses excepcionais em que houver abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial (CC, art. 50).

3. ALTERAÇÃO DO CONTRATO SOCIAL
O ato constitutivo da sociedade empresária poderá ser objeto de alteração sempre e quando as normas ali contidas não mais forem satisfatórias; tais alterações decorrem sempre da vontade majoritária dos sócios (CC, art. 999, caput), excetuando-se algumas deliberações como no caso de sociedades em nome coletivo e sociedades em comandita simples, onde a unanimidade é necessária para a alteração de cláusula essencial. A unanimidade exigida para a modificação do contrato social somente alcança as matérias referidas no art. 997, prevalecendo, nos demais casos de deliberação dos sócios, a maioria absoluta, se outra mais qualificada não for prevista no contrato[10].

4. DISSOLUÇÃO
Resulta de um procedimento de extinção, onde há a dissolução em sentido estrito, mediante a averbação da dissolução no seu registro; a liquidação, ou seja, o cumprimento das obrigações da sociedade; cancelamento da inscrição e a partilha. (CC, art. 51).

5. CLASSIFICAÇÃO[11]
5.1. De acordo com a responsabilidade dos sócios:
a. Sociedade ilimitada, em que os sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações sociais. Sociedade em nome coletivo (N/C) (CC, ar. 1.039).
b. Sociedade mista, em que uma parte dos sócios tem responsabilidade ilimitada e outra parte tem responsabilidade limitada. É o caso da Comandita Simples (C/S) (CC, art. 1.045) e a Sociedade por ações (C/A), os sócios diretores tem responsabilidade ilimitada e os demais acionistas respondem limitadamente (Lei n. 6.404, art. 281).
c. Sociedade limitada, onde os sócios respondem de forma limitada pelas obrigações, por exemplo, a sociedade limitada (CC, art. 1.052) e a anônima (CC, art. 1.088).
O sócio da sociedade limitada e o comanditário da sociedade em comandita simples, respondem pelas obrigações sociais até o total do capital não-integralizado. Mesmo que um sócio já tenha integralizado, totalmente, a sua parte, se outro ainda não fez o mesmo com a parcela que lhe caberia, o primeiro poderá ser responsabilizado pelas obrigações sociais dentro do limite do valor que o seu sócio ainda não integralizou.
Os acionistas da sociedade anônima, ou os da comandita por ações com responsabilidade limitada, respondem pelo que subscreveram e ainda não integralizaram. Diferentemente daqueles dois primeiros, estes nunca poderão ser responsabilizados pela não-integralização da participação societária devida por outro acionista.
Se todo o capital social estiver integralizado, os sócios não mais responderão com o seu patrimônio pessoal, desde que os sócios tenham responsabilidade limitada.

5.2. De acordo com o regime de constituição e dissolução.
A. Sociedades contratuais: o ato constitutivo e regulamentar é o contrato social. São: em nome coletivo, em comandita simples, e limitada.
B. Sociedades institucionais: o ato regulamentar e constitutivo é o estatuto social. Exemplo: Sociedade anônima, sociedade em comandita por ações.
A dissolução das sociedades contratuais encontra-se no CC/2002, ao passo que a dissolução das sociedades institucionais rege-se pelas normas da lei n. 6.404/76.

5.3. De acordo com as condições de alienação da participação societária.
A. Sociedade de pessoas. Em que os sócios decidem quem adentra ou não o quadro societário. Sua anuência é imprescindível para a manutenção do quadro de sócios.
B. Sociedade de capital. Em que a anuência dos sócios para a entrada de um terceiro no quadro societário é dispensada, nos termos do princípio da livre circulabilidade da participação societária, outros, alheios à sociedade, podem ingressar sem a necessidade de concordância dos sócios.
Nas sociedades de pessoas, as cotas são impenhoráveis por dívidas particulares do seu titular. Visto que o direito de veto ao ingresso de terceiros não-sócios é incompatível com a penhorabilidade das cotas sociais. O arrematante da cota na execução judicial contra o seu titular ingressaria no quadro associativo independentemente da vontade dos demais sócios. Na opinião expressa de Fabio Ulhoa, “penso que seria possível o ingresso do arrematante no quadro associativo em situação de sócio com meros direitos patrimoniais, sem condições de influenciar nos negócios sociais, conciliando-se, destarte, os interesses dos sócios do devedor e do exeqüente”. “É possível a penhora de cotas pertencentes a sócio de sociedade de responsabilidade limitada, por dívida particular deste, em razão de inexistir vedação legal. Tal possibilidade encontra sustentação, inclusive, no art. 591, CPC, segundo o qual o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei. Os efeitos da penhora incidente sobre as cotas sociais devem ser determinados levando em consideração os princípios societários. Destarte, havendo restrição ao ingresso do credor como sócio, deve-se facultar à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou concedê-la e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto (CPC, arts. 1117, 1118 e 1119), assegurando-se ao credor, não ocorrendo solução satisfatória, o direito de requerer a dissolução total ou parcial da sociedade”.[12]
Se o contrato de sociedade por cotas de responsabilidade limitada prevê a possibilidade de livre alienação das cotas, são elas penhoráveis como patrimônio disponível do devedor. Se, ao invés, a sociedade foi constituída intuitu personae, penhoráveis serão apenas os direitos e ações de índole patrimonial correspondentes à cota.[13] Nesse sentido, vislumbra-se acórdão do TJ-SP, Apelação Cível n° 1.167.791-5 - São Paulo - 18 Câmara de Direito Privado - Relator: Jurandir de Sousa Oliveira - 16.11.06 - V.U. - Voto n. 9.095):
PENHORA - Incidência sobre cotas sociais -Admissibilidade - Inexistência de impedimento legal e amparo nos artigos 1.026 e 1.031 do Código Civil de 2002 e artigo 655, X, do Código de Processo Civil - Hipótese em que da alienação judicial não resultará no ingresso na sociedade, da qual faz parte o devedor, do terceiro estranho - Espécie de sub-rogação dos direitos de crédito do executado, por conta da expropriação de suas quotas sociais, que possibilitará à dissolução social parcial da sociedade se for o caso.
Nas sociedades por nome coletivo, assim como na sociedade em comandita simples, se o contrato social autorizar, os sucessores do sócio falecido podem ingressar na sociedade. Na omissão, prevalece a regra.
Nas sociedades de capital as ações ou quotas são sempre penhoráveis por dívida de sócio.
As sociedades de capital são sempre as sociedades institucionais, enquanto as sociedades de pessoas correspondem as de capital.
Cabe ressaltar que nas sociedades em nome coletivo e comandita simples, a cessão de quotas depende do aval dos sócios (CC, art. 1.003), conferindo a eles perfil personalístico[14].
Em relação À conseqüências pela morte de sócio, a sociedade anônima e em comandita por ações, a morte não autoriza a dissolução parcial, seja a pedido dos sobreviventes ou dos sucessores; nas sociedades em nome coletivo configura-se a regra da anuência dos sócios, mas o contrato social poderá assegurar aos sucessores o ingresso na sociedade (CC, art. 1.028, I); nas sociedades em comandita simples configura-se: a) sociedade de pessoas, em caso de morte do comanditado, e de capital em caso de morte do comanditário, podendo o contrato dispor sobre a alteção da natureza da comandita simples, prevendo a liquidação das quotas (CC, art. 1.050).
Nas sociedades limitadas, como já visto, o contrato definirá a extensão do direito de veto ao ingresso de novos sócios, por alienação ou por falecimento de sócio, atribuindo-lhe a natureza personalístico ou capitalistica. Omisso, os sócios com mais de um quarto do capital social poderão se opor ao ingresso de terceiros (CC, art. 1.057).

d. CONTRIBUIÇÃO DO CAPITAL SOCIAL
“Ao ingressar numa sociedade empresária, qualquer que seja ela, o sócio deve contribuir para o capital social. Se a sociedade está em constituição ou se houve aumento do capital social com novas participações, o ingressante subscreve uma parte. Ou seja, ele se compromete a pagar uma quantia determinada para a sociedade, contribuindo, assim, com o capital social e legitimando a sua pretensão à percepção de parcela dos lucros gerados pelos negócios sociais. Poderá fazê-lo à vista ou a prazo. Na medida em que for pagando o que ele e comprometeu a pagar, na subscrição, à sociedade, diz-se que ele está integralizando a sua participação societária. Quando todos o sócios já cumpriram com as respectivas obrigações de contribuir para a formação da sociedade, o capital social estará totalmente integralizado”.[15]
A integralização total das quotas de capital por parte dos sócios, implica em uma importante questão. Concretizada a realização do capital, a partir deste momento desaparece a responsabilidade solidária entre os sócios, significando também que nas relações operacionais, atendidas as disposições do contrato social, os sócios não respondem com seu patrimônio pessoal pelas dívidas da sociedade, exceto nos casos: a) Deliberações contrárias à lei ou ao contrato social; b) Sociedade constituída somente por marido e mulher contrariando o art. 997 do Código Civil; c) Débitos trabalhistas em que o poder judiciário busca a proteção do hipossuficiente nas relações trabalhistas; d) Fraude contra credores quando se utilizada da autonomia patrimonial da sociedade; e) Débitos junto ao INSS.[16]
Para tanto, os sócios oferecem dinheiro, bens ou direitos, desde que possam ser avaliados em dinheiro e, devidamente atualizados. Sabido que a avaliação imprecisa dos bens oferecidos para a integralização do capital social incorre em responsabilidade solidária dos sócios, até o prazo de cinco anos contados do registro da sociedade.(CC, art. 1055, §1º).
O capital se divide em quotas, que podem ser iguais ou desiguais.
Sendo iguais, poderão ser simples ou múltiplas, primeira, o capital social pode ser dividido em tantas quotas unitárias, iguais umas as outras, quantos forem os sócios da sociedade, cabendo a cada um deles uma única quota, na segunda, o capital social pode ser dividido em múltiplas quotas unitárias, iguais umas as outras, sendo atribuído a cada sócio tantas quantas forem necessárias para representar a sua participação no montante do capital social.[17]
Nas desiguais, o capital social será dividido em quotas de acordo com o número de sócios da sociedade, sendo atribuído a cada um aquela quota que represente o valor de sua participação no montante do capital social.

B. CESSÃO DE COTAS
O Código Civil deixou para os sócios estabelecer no contrato a sua vontade com relação a cessibilidade. Sendo omisso o contrato, o artigo prevê duas situações, a saber: a) cessão a quem seja sócio: independentemente de audiência de outros. Como se observa não se fixou qualquer obrigação de proporcionalidade na cessão, nem de exigir-se o consentimento dos demais sócios; b) cessão a estranhos: dependerá da anuência de um quorum de setenta e cinco por cento das quotas. Não havendo interesse de nenhum dos sócios, nem consentimento para a venda a terceiros, haveria ainda a possibilidade da tomada das quotas pela própria sociedade.[18]


6. SOCIEDADE IRREGULAR E DE FATO[19]
A sociedade sem registro é chamada de sociedade irregular. Sociedade de fato são aquelas em que sequer ato constitutivo escrito possui.[20] Distinguem-se, pois, no cabimento de ação entre sócios para declarar a existência da sociedade. Em razão do art. 987 do CC, aquele que integra uma sociedade de fato não tem ação para o reconhecimento do vínculo societário; mas o que integra uma sociedade irregular tem.[21]
Os sócios da sociedade sem registro responderão sempre ilimitadamente pelas obrigações sociais, sendo ineficaz eventual cláusula limitativa desta responsabilidade no contrato social.(CC, art. 990).

______________
[1] MARIA HELENA DINIZ. CODIGO CIVIL ANOTADO.
[2] Enunciado n. 196 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil.
[3] FABIO ULHOA COELHO. MANUAL DE DIREITO COMERCIAL.
[4] Enunciado 207 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil.
[5] Termo usado por Maria Helena Diniz.
[6] Enunciado n. 57 aprovado na Jornada de Direito Civil.
[7] Enunciado n. 383 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal.
[8] Enunciado n. 382 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal.
[9] CC, art. 47: Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo.
[10] Enunciado n. 385 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal.
[11] Segundo FABIO ULHOA COELHO. MANUAL DE DIREITO COMERCIAL.
[12] STJ, Resp. n. 221625, DJ 07/05/01.
[13] STJ, Resp n. 19018, DJ16/08/99; STJ, Resp. n. 148316, DJ 26/04/99.
[14] FABIO ULHOA COELHO.
[15] FABIO ULHOA COELHO. MANUAL DE DIREITO COMERCIAL.
[16] JOSE CARLOS FONTES.
[17] JOSE CARLOS FONTES.
[18] LESLIE AMENDOLARA.
[19] No Código Civil, são tratadas as sociedades irregulares e de fato como sociedade em comum.
[20] WALDEMAR FERREIRA.
[21] FABIO ULHOA COELHO.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

DIREITO CIVIL - INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

autor: Felipe F Santos

Acadêmico de Direito da Universidade Católica de Santos e Estagiário da 3ª Vara setor das Execuções Fiscais da Justiça Federal- TRF -3ª

DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES CIVIS[i].

1. Introdução:

1.1. As obrigações devem ser cumpridas, o devedor, pólo passivo da relação jurídica obrigacional, tem o dever de solver a prestação conforme o estipulado no negócio. O efeito normal do negócio é o seu cumprimento com a efetiva extinção do vínculo entre as partes envolvidas. O adimplemento da obrigação é a regra, e o inadimplemento, a exceção, por ser uma patologia no direito obrigacional, que representa um rompimento da harmonia social, capaz de provocar a realização do credor, que poderá lançar mão de certos meios para satisfazer o seu crédito.[ii] Aquele que não cumprir o que estabelecido em lei ou relação negocial estiver, causando prejuízo a outra parte, incorrerá em sanção, ou seja, ressarcimento (CC, arts. 186 e 927).

2. Meios de inadimplemento:

2.1. Há o inadimplemento da obrigação quando o devedor não a cumprir, voluntária ou involuntariamente. Será voluntária se a prestação não for cumprida sem a ocorrência de caso fortuito ou força maior, logo a involuntária será quando não for cumprida, mas em decorrência de um caso fortuito ou força maior. Na hipótese de obrigação negativa, ou melhor, nas obrigações em que o devedor se obriga a não praticar certo ato, ter-se-á inadimplemento quando praticar o ato que devia abster-se, contrariando o preceito obrigacional acordado entre as partes (CC, art. 390).
2.2. Poderá ser, também, dolosa se não adimplir a obrigação intencionalmente se opondo ao acordo obrigacional. Ou, culposa se resultar em negligência, imprudência ou imperícia do solvens. Mas, para fins acadêmicos, melhor configurarmos os meios voluntário e involuntário de não cumprimento das obrigações.[iii]
2.3. Ter-se-á inadimplemento absoluto da obrigação quando admitir que a obrigação não foi cumprida nem poderá sê-lo, e o credor não mais terá possibilidade de receber aquilo a que o devedor se obrigou[iv], resultando na adequação prevista no art. 389 do CC, ao prescrever que, “ não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”, será total se nada que foi estipulado foi cumprido e parcial se, em parte, a obrigação fora prejudicada por culpa do devedor. Entretanto, teremos o inadimplemento relativo se não foi resolvida no tempo, lugar e forma devida, mas que pode ser cumprida em mora.[v]
A sanção será idêntica nas duas situações, o devedor culpado responderá pelo inadimplemento no seu equivalente mais as perdas e danos (CC, art. 234, in fine).
Não se deve considerar como regra geral que a prestação não cumprida se transforma em perdas e danos, pois está se dará quando não for possível a resolução da obrigação.[vi]

2.4. Honorários de advogado.
Questão apresentada no art. 389 do Código Civil, onde estabelece que o devedor, além de ressarcir o credor no que lhe cabe de direito, deve responder pelos honorários do advogado conforme estabelece o art. 20, caput do Código de Processo Civil, “A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios”.
Cabe salientar que essa corresponde pelo que é devido por quem contratou os serviços do advogado para a defesa de seus direitos. São os honorários adquiridos, extrajudicialmente, pelo profissional da advocacia em razão da efetuação de um contrato, não são os honorários de sucumbência.[vii]


3. Responsabilidade Patrimonial.
O credor tem em razão do princípio da imputação civil dos danos à sua disposição, como garantia do adimplemento, o patrimônio do devedor[viii] (CC, art. 391), dessa forma, na hipótese de não cumprimento da obrigação, o credor pode, em juízo, exigir o adimplemento da obrigação quando possível e a composição do dano causado.
Nesse sentido, acertadamente, o Código de Processo Civil em seu art. 591 reza, “O devedor responde, para o cumprimento das suas obrigações, com todos os seus bens presentes ou futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”, assim, adverte para estabelecer a extensão dos bens passíveis para o cumprimento da obrigação. Entretanto, carece de maiores explicações as restrições estabelecidas em lei, confere que não estão sujeitos ao cumprimento os bens em que a lei considerar impenhoráveis ou inalienáveis (CC, art. 648), configurando-os no rol do arts. 649 e 650 do CPC e da lei 8.009/90, a dispor sobre a impenhorabilidade dos bens de família.

4. Inadimplemento no contrato gratuito e oneroso.
Se houver inadimplemento culposo em contratos gratuitos responderá aquele a quem o contrato aproveite, se doloso, responde o contratante que não se locupletar perante a obrigação, nos termos do art. 392, primeira parte do Código Civil.
Mas, responderá cada uma das partes por culpa nos contratos onerosos pela inexecução, salvo se houver a incidência de alguma exceção legal devendo indenizar o lesado, visto que ambos têm direitos e deveres recíprocos[ix].(CC, art. 392, in fine).

5. Caso Fortuito ou Força maior[x].
O devedor fica exonerado de cumprir a obrigação pela sua impossibilidade em decorrência de fato a ele inimputável, são casos em que o credor não terá direito a indenização pelo inadimplemento do solvens. Entretanto, poderá conferir responsabilidade se do pacto for estabelecido que será responsável àquele que descumprir a obrigação, mesmo ocorrendo tais hipóteses, ou, se o devedor estiver em mora, devendo pagar os juros moratórios, respondendo, ainda, pela impossibilidade da prestação resultante de força maior ou caso fortuito ocorridos durante o atraso, salvo se provar que o dano ocorreria mesmo que a obrigação tivesse sido desempenhada oportunamente, ou demonstrar a isenção de culpa (CC, art. 399).[xi]
Maria Helena Diniz confere requisitos objetivo e subjetivo ao advento dessas excludentes de responsabilidade apondo que, na primeira, configura-se na inevitabilidade do acontecimento, e na última, na ausência de culpa na produção do evento.

6. Mora
Há três espécies de mora, a solvendi, a accipiendi e a mista ( união entre as primeiras). Na mora solvendi, o devedor não adimpliu a obrigação, por culpa sua, no lugar, tempo e forma estabelecidos, todavia, a mora accipiendi é aquela em que o credor se recusa a aceitar o cumprimento da obrigação no tempo, lugar e forma previstos no ajuste ou em lei. (CC, art. 394). Incluem-se os juros moratórios na liquidação da sentença, embora omisso o pedido inicial ou a condenação[xii].

6.1. Mora e inadimplemento absoluto
Simplificando a discussão aqui travada teremos mora sempre que a obrigação ainda puder ser adimplida, trazendo ao credor a satisfação do seu crédito, entrementes, o inadimplemento absoluto impossibilita o cumprimento atrasado da obrigação pelo perecimento da coisa devida ou porque resta inútil ao credor o seu cumprimento, deixando o credor sem esperanças de ver seu crédito satisfeito. Ademais, não se deve confundir a mora com o inadimplemento absoluto parcial - aquele em que há vários objetos, sendo um apenas entregue, porque os demais pereceram por culpa do devedor[xiii]-, pois esta modalidade não satisfaz o intento do credor, muitas vezes o perecimento de parte da coisa devida perdeu o seu valor ou tornou-se inútil, termos em que resta a sugestão de rejeitar a prestação, exigindo a satisfação das perdas e danos (CC, art. 395, parágrafo único).

6.2. Responsabilidade do devedor perante a mora.
O solvens responderá pelos danos causados pelo advento da mora solvendi, com juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado do credor quando este contratar (CC, art. 395, caput)[xiv].
Adverte o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 52, §1º que as multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigação no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação.
Ademais, responderá, também, pelo dano emergente e lucro cessante, isto é, aquilo que o credor deixou de ganhar em razão da mora, compreendendo os frutos e rendimentos que poderia ter tirado da coisa devida[xv].
Pode o credor se achar que a prestação se tornou inútil em decorrência da mora, exigir a satisfação das perdas e danos, rejeitando a prestação.(CC, art. 395, parágrafo único.).

6.3. Mora do solvens
São dois os elementos caracterizadores dessa mora, a primeira é o inadimplemento no tempo, lugar e forma previstos, e a segunda que é a inexecução culposa por parte do devedor, não há de ser responsável se o descumprimento se deu em virtude de caso fortuito ou força maior, ressalvada a hipótese do art. 399. Assim, só será imputável a ele se a inexecução, total ou parcial, se der por culpa do devedor (CC, art. 396). No contrato bancário, a cobrança pelo credor de encargos remuneratórios ilegais descaracteriza a mora do devedor. Já a cobrança de indevidos encargos moratórios não tem esse condão.[xvi]


Subdivide-se em:

6.3.1. Mora ex re, se decorrer de lei, aplicando-se de pleno direito desde a data do inadimplemento, independentemente de ato ou iniciativa do credor[xvii]. Assim, estando a obrigação com prazo certo e vencido, o credor terá direito de cobrar do devedor a prestação, que se não cumprida constituirá, imediatamente, o devedor em mora.(CC, art. 397, caput).
Nesse condão, resolveu o colendo Superior Tribunal de Justiça à Súmula 76, “A falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não dispensa a prévia interpelação para constituir em mora o devedor”[xviii], ou seja, o registro do compromisso de compra e venda não impede que o credor constitua o devedor em mora.

6.3.2. Mora ex persona, quando a obrigação não tiver prazo ou termo certo para a sua execução, carecendo que o credor aja, formalmente, interpelando, judicial ou extrajudicial, o devedor para que cumpra a obrigação[xix]. Encontrando se inerte o devedor em cumpri-la, imediatamente, configurar-se-á a mora solvendi (CC, art. 397, parágrafo único). Não é função da notificação provocar dilação do prazo contratual, mas constituir o devedor em mora[xx]. A constituição em mora do devedor da obrigação de fazer não se dá somente pela interpelação, notificação ou protesto, obtendo-se o mesmo efeito através da citação (CPC, art. 219)[xxi]. A notificação mesmo extrajudicial comprova a mora e impede a revisão contratual[xxii], mas deve comprovar no seu conteúdo que o devedor foi intimado por meio de notificação pessoal ou de comunicação destinada ao seu endereço. O entendimento prevalecente no STJ é no sentido de que, para a comprovação da mora, é suficiente a notificação no endereço do devedor, ainda que não lhe seja entregue pessoalmente[xxiii]. Para tanto, esse colendo tribunal considera válida a entrega da notificação em seu endereço, efetivada por meio de Cartório de Títulos e Documentos, que possui fé pública[xxiv], não possuirá validade jurídica a notificação feita por escritório de advocacia[xxv]. Outrossim, a notificação da constituição em mora é necessária para que, efetivamente, se produzam os efeitos da cláusula resolutiva[xxvi]. Os juros da mora, nas reclamações trabalhistas, são contados desde a notificação judicial[xxvii].

6.4. São requisitos da mora do solvens.

a. Obrigação vencida e líquida. Não há constituição da mora em obrigações a termo final ou com condição suspensiva, embora que os juros da mora são admitidos desde a citação inicial da demanda ajuizada (CC, art. 405) também assim será quando a obrigação for ilíquida para efeito de contagem dos juros moratórios, exceto se a demanda for ajuizada contra a Fazenda Pública[xxviii]. A comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente[xxix].
b. Não cumprimento, total ou parcial, da obrigação por culpa do devedor.
c. Interpelação judicial ou extrajudicial do devedor, hipótese de mora ex persona.

6.5. Efeitos da mora solvendi
a. Responsabilidade do devedor pelos prejuízos causados pela mora ao credor (CC, art. 395, vide tópico 6.2.)
b. Direito do credor de exigir a satisfação das perdas e danos. Se devido à mora a prestação se tornou inútil ou perdeu o seu valor (CC, art. 395, parágrafo único). A inutilidade da prestação que autoriza a recusa da prestação por parte do credor deverá ser aferida objetivamente, consoante o princípio da boa-fé e a manutenção do sinalagma, e não de acordo com o mero interesse subjetivo do credor [xxx]. Daí proceder-se-á a conversão do objeto da prestação em seu equivalente pecuniário, hipótese em que a mora se equiparará ao inadimplemento absoluto[xxxi].
c. Dever de ressarcir pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso, salvo se provar isenção de culpa ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada (CC, art. 399).

6.6. Mora accipiendi.
Já vimos que esta modalidade configura-se aquela em que o retardamento do cumprimento da obrigação se deu por culpa do credor. Nesses casos, a mora do credor subtrai o devedor isento de dolo a responsabilidade pela conservação da coisa devida[xxxii], respondendo pelo prejuízo causado pela manutenção da coisa devida, sujeitando-se a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação (CC, art. 400). Haja vista, julgado no egrégio TJ – RS, atentando acerca da demora na consignação do objeto da prestação:
EMENTA: CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. OBRIGAÇÃO DE ENTREGAR PRODUTOS PERECÍVEIS. BATATAS. MORA DO CREDOR. INOCORRÊNCIA. NOTIFICAÇÃO TARDIA DO DEVEDOR OFERECENDO O PRODUTO AO CREDOR UM MÊS APÓS O PRAZO ESTIPULADO PARA A ENTREGA. MORA DO DEVEDOR. PRESTAÇÃO QUE SE TORNOU INÚTIL AO CREDOR. ENJEIÇÃO. ARTIGOS 955 E 956, § ÚNICO, DO CODIGO CIVIL DE 2003. É certo que o autor não cumpriu com a obrigação no termo avençado, tendo inclusive assim afirmado quando de seu depoimento em juízo. De tal sorte, porque não se poderia exigir do réu que esperasse indefinidamente o cumprimento da obrigação, inclusive por questões de mercado e preço, a demanda está fadada à improcedência. Apelo provido. (Apelação Cível Nº 70018543249, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 28/06/2007)
Entretanto, nada impede o devedor de consignar judicialmente a importância devida nos termos do art. 335 do CC e seus incisos.

6.7. Requisitos da mora accipiendi.

a. Existência de dívida positiva, líquida e vencida (vide tópico 6.4.a)
b. Vontade do devedor em resolver a obrigação ou de terceiro, que representando aquele ou em nome próprio se dispuser a pagar (CC, art. 304 e 305) a prestação nos termos do ajuste, desde que efetuada a favor do credor ou de seu representante (CC, art. 308) ressalvada a hipótese de credor putativo que a lei tem como válido(CC, art. 309).
c. Recusa injustificada do credor ou de seu representante legal. Tácita ou expressa.
d. Constituição do credor em mora. Esse direito não é personalíssimo, podendo ser utilizado por terceiro que possa efetuar o pagamento válido[xxxiii]. Um importantíssimo mecanismo é a ação de consignação em pagamento (CC, art. 335), onde o devedor exonerar-se-á da obrigação, extinguindo-a, cessando os juros e os riscos (CC, art. 337). Para tanto, o devedor deverá provar a oferta de pagamento e a recusa injustificada do credor em dar quitação.

7. Juros Legais[xxxiv]
Os juros são o rendimento do capital, os frutos civis produzidos pelo dinheiro, sendo, portanto considerados como bem acessório (CC, art. 92) [xxxv]. Os juros remuneram o credor por ficar privado de seu capital, pagando-lhe o risco em que incorre de não mais o receber de volta[xxxvi].

7.1. Juros compensatórios:
Incidem sobre a utilização consentida do capital alheio. As partes podem convencionar a fixação da taxa (CC, art. 406, primeira parte), mas se não fixarem a taxa será fixada segundo a lei (CC, art 406, segunda parte.)
Nesse condão, vê-se que é proibido a estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Dec. n. 22.626/33, art. 1º) sob pena de nulidade do negócio jurídico com infração da lei, assegurado ao devedor a repetição do que houver pago a mais (Dec. n. 22.626/33, art. 11), posto que a taxa de juros não será superior a 12% ao ano, vedada taxas maiores dos que a permitida pelo decreto n. 22.626/33, segundo seu art. 2º. E, é proibido contar juros dos juros, esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano (Art. 4º)

7.2. Juros Moratórios
Constituem pena imposta devido ao retardamento do cumprimento da obrigação.
Podem ser, convencionais ou legais nos termos do art. 406 do código civil vigente e no dec. n. 22.262/33, art. 5º.
No juro moratório legal, a taxa é a SELIC – sistema especial de liquidação e de custódia-, entretanto, o entendimento do STJ vem no sentido de que há aplicação do art. 161, § 1º do CTN, visto que a taxa SELIC tem natureza híbrida (índice de atualização monetária e juros compensatórios)[xxxvii].

Os juros moratórios serão devidos independentemente da alegação de prejuízo, decorrendo da própria mora (CPC, art. 219); os juros moratórios deverão ser pagos, seja qual for a natureza da prestação.
Os juros moratórios estarão incluídos na sentença, independentemente de pedido da parte interessada devido estarem compreendidos no principal[xxxviii].

8. Purgação da mora.
Significa que o contratante moroso repara a obrigação, reconduzindo-a ao status da normalidade, evitando os efeitos decorrentes do atraso.
Há três hipóteses de purgação da mora, a do credor, a do devedor e a purgação da mora por parte de ambos.

8.1. Purgação da mora do devedor.
Será possível desde quando a prestação ainda seja útil ao credor, onde este oferece a prestação devida, mais o equivalente em prejuízos decorrentes do atraso (CC, art. 401, I; STF, Súmula 122).

8.2. Purgação da mora pelo credor.
Quando o accipiens se oferecer a receber o pagamento nos termos do ajuste, se sujeitando aos efeitos da mora até a mesma data. (CC, art. 401,I I).

8.3. Purgação da mora por parte de ambos.

Será a hipótese em que haverá cessação da mora pela renúncia ao direito de ser indenizado, que tanto pode ser de um como de outro. Haverá a extinção propriamente dita, sem produção dos efeitos naturais.[xxxix]

____________________________
[i]Arts. 389 à 420 da lei n.10.406, Código Civil Brasileiro de 2002
[ii] Valverde y Valverde. Tratado de derecho civil español, v. 3,p.83; Silvio Rodrigues, op. Cit., p.
[iii] Se o descumprimento decorrer de evento estranho à vontade do devedor, será involuntário, por configurar-se caso fortuito ou força maior, não originando, em regra, a sua responsabilidade. (RT, 493:210, 435:72).
[iv] Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 22ª ed.
[v] RT, 493:196.
[vi] Nesse sentido: Maria helena Diniz, Caio M. S. Pereira, De Page, Carvalho de Mendonça.
[vii] Enunciado n. 161 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil.
[viii] Maria Helena Diniz.
[ix] Maria Helena Diniz. Código Civil anotado.
[x] Segundo o Venosa, caso fortuito é a situação que decorre de fato alheio à vontade da parte, mas proveniente de fatos humanos. Força maior são fatos externos, independentes da vontade humana, que impedem o cumprimento das obrigações, como ordem de autoridades, fenômenos naturais ou ocorrências políticas ou sociais.
[xi] Maria helena Diniz. Código Civil anotado.
[xii] Súmula n. 254 do STF.
[xiii] Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil, vol. 2.
[xiv] Vide tópico 2.4.
[xv] Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil, vol. 2.
[xvi] Resp, 899.662-RS, Contrato Bancário. Mora. Encargo remuneratório.
[xvii] Incidência da regra dies interpellat pro homine, ou seja, o termo interpela pelo credor. RT, 26:179,228:200. Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil, vol. 2.
[xviii] STJ, Resp 148699 / PE, Relator Min. ARI PARGENDLER, DJ 16.12.2002.
[xix] A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito. Súmula n. 245 do STJ.
[xx] RT, 613:138.
[xxi] RT, 781: 225.
[xxii] STJ, Resp. n. 493.839-RS, Rel. Min Carlos Alberto Menezes Direito.
[xxiii] STJ, Resp. n. 991532, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, DJ, 21.11.2007.
[xxiv] STJ, REsp 250.711/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ 04/02/2002.
[xxv] STJ, Ag 906853, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJ 04.09.2007.
[xxvi] STJ, Resp. n. 323.521-RS e Resp. n. 76.362-MT.
[xxvii] Súmula n. 224 do STF.
[xxviii] Súmula n. 163 do STF.
[xxix] Súmula n. 72 do STJ.
[xxx] Enunciado n. 162 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III jornada de Direito Civil.
[xxxi] Maria Helena Diniz. Curso de Direito civil, vol. 2.
[xxxii] STF, RE n. 24053, Rel. Min. Nelson Hungria, DJ 01.08.1955.
[xxxiii] Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil, vol. 2.
[xxxiv] Neste tópico serei breve e bastante didático nos meus apontamentos, não me aprofundando no assunto.
[xxxv]Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil, vol. 2.
[xxxvi] Silvio Rodrigues,
[xxxvii] STJ,Resp. 413799/RS, Resp 356.147.
[xxxviii] Súmula n.254, STF.
[xxxix] Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil, vol 2.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

MANDADO DE SEGURANÇA - APONTAMENTOS

Autor:
Sr. Felipe F. Santos
Acadêmico de Direito pela Unisantos e Estagiário da seção de Execuções fiscais da 3ª vara Federal do TRF- 3ª Região.
1. Introdução:

Meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por hábeas corpus ou hábeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.[1]
É conferido aos indivíduos para que eles se defendam de atos ilegais ou praticados com abuso de poder, constituindo-se verdadeiro instrumento de liberdade civil e liberdade política.[2]

1. Espécies[3]

a. Repressivo: ilegalidade já cometida.(Art. 1, da lei 1.533/51, 1ª parte.).
b. Preventivo: quando o impetrante demonstrar justo receio de sofrer uma violação de direito líquido e certo por parte da autoridade impetrada.[4](art. 1, da lei 1.533/51, 2ª parte). São atos preparatórios ou indícios razoáveis, a tendência de praticar atos, ou omitir-se a fazê-lo, de tal forma que, a conservar-se esse propósito, a lesão de direito se torne efetiva.[5]
c. Individual: proteger direito líquido e certo, não amparado por hábeas corpus ou habeas data.
d. Coletivo: direcionado à defesa dos interesses coletivos em sentido amplo, englobando os direitos coletivos em sentido estrito, os interesses homogêneos e os interesses difusos.[6]

2. Natureza jurídica

Meio constitucional cível[7] de rito sumário especial[8], qualificado na Constituição como writ ou remédio constitucional, com normas processuais próprias (art. 6 à 19 da Lei n. 1.533/51).

3. Objeto

Em regra, contra todo ato comissivo ou omissivo de qualquer autoridade no âmbito dos Poderes de Estado e do Ministério Público[9]. Contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública[10]; não o impede contra controvérsia sobre matéria de direito[11]; serve para declaração do direito à compensação tributária[12]; contra omissão de autoridade nos casos de recurso administrativo com efeito suspensivo[13]. Também não cabe contra decisão judicial com trânsito em julgado[14]; contra lei ou ato normativo em tese[15], salvo se veicularem autênticos atos administrativos, produzindo efeitos concretos individualizados[16].

4. Requisitos[17]

A) Ato comissivo ou omissivo de autoridade praticado pelo Poder Público ou por particular decorrente de delegação do Poder Público;
B) Ilegalidade ou abuso de Poder
C) Lesão ou ameaça de lesão;
D) Caráter subsidiário: proteção ao direito líquido e certo não amparado por hábeas corpus ou hábeas data.

5. Direito líquido e certo

Direito líquido e certo é o que resulta de fato certo, ou seja, é aquele capaz de ser comprovado, de plano, por documentação inequívoca[18]. É o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto para ser exercitado no momento da sua impetração[19]. Há quem o conceitue como “direito certo e incontestável”[20], mas viu-se que qualquer direito é passível de ser contestado.
O Ministro do STJ, Sálvio de Figueiredo Teixeira, observou, em artigo intitulado “Mandado de Segurança: Apontamentos” as lições magistrais do antigo ministro da mesma instituição, Carlos Mário Velloso, que disse: “Nos primórdios do mandado de segurança chegou-se a entender que direito líquido e certo fosse aquele que não demandasse maiores considerações, ou que não ensejasse dúvida, sob o ponto de vista jurídico, o que não oferecesse complexidade, de fácil interpretação, o direito translúcido, evidente, acima de toda dúvida razoável, apurável de plano sem detido exame nem laboriosas cogitações, o que levou Castro Nunes a afirmar que, entendidas desse modo as palavras do texto constitucional, só as questões muito simples estariam ao alcance do mandado de segurança”.
É aquele direito titularizado pelo impetrante, embasado em situação fática perfeitamente delineada e comprovada de plano por meio de prova pré-constituída[21], aquele direito cuja existência e delimitação são claras e passíveis de demonstração documental[22].

1. Requisitos[23]:

A. Certeza jurídica, no sentido de que o direito deve seguir da norma legal expressa, não se considerando as demais fontes do direito, tidas como secundárias[24], salvo se princípios implícitos na Lei Maior, em decorrência do art. 5, parágrafo 2º da CF/88 .
B. Direito subjetivo próprio do impetrante, não sendo cabível direito alheio ao próprio impetrante[25].
C. Direito líquido e certo referido a objeto determinado, ou seja, o mandado de segurança não é medida adequada para pleitear prestações indeterminadas, genéricas, fungíveis ou alternativas.

6. Competência
Para determinar a competência para processar e julgar o referido writ mandamental, a Constituição Federal estabelece, como princípio norteador, não único, o da hierarquia da autoridade legitimada a praticar a conduta, tida como coatora[26].
Anote-se que, em alusão a competência da Justiça Federal, encontra-se no art. 109, I da CF a competência deste para julgar as ações em que a União Federal, autarquias e empresas públicas forem interessadas, porém a jurisprudência do colendo Supremo Tribunal Federal, mormente pacificado na súmula n. 511, prevalência dessa regra sobre a do inciso VIII do mesmo artigo, expondo: “Compete à Justiça Federal, em ambas as instâncias, processar e julgar as causas entre autarquias federais e entidades públicas locais, inclusive mandado de segurança, ressalvada a ação fiscal, nos termos da Constituição Federal de 1967, art. 119, §3º”.
“A norma inscrita no item I, do art. 109, constitui-se em regra geral de competência atribuída aos juízes federais. Logo, figurando uma das pessoas jurídicas ali apontadas em uma das condições processuais referidas, caberá à Justiça Federal, em caráter absoluto, processar e julgar a causa, respeitadas, obviamente, as exceções que o mesmo preceito contém. De outra parte, a norma contida no inciso VIII, que é especial, atribui aos juízes federais competência para julgar” os mandados de segurança e os contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais “. Parece que a especialidade dessa norma restringe a generalidade daquela (inc. I). Tal significa dizer que, embora o mandado de segurança seja, também, causa, a competência da Justiça Federal para julgá-lo só ocorre quando a autoridade coatora for federal (a incluídos os atos de autoridades outras ou mesmo de particulares, desde que praticados por delegação federal). Isso pelo que dimana, em princípio, da CF. Tal interpretação mais resguarda a eficácia do inciso VIII, pois, do contrario, tudo estaria contido na abrangência do inciso I, fazendo do VIII preceito de pouca ou, quem sabe, de nenhuma utilidade, pressupondo-se que seu alcance não seja aquele determinante da fixação de competência territorial e nem mesmo funcional entre os vários órgãos e graus da Justiça Federal, pois aquela encontra solução em princípios contidos nas leis processuais e esta já estava solucionada, antes, pela própria Constituição, art. 108, I, c, c/c 109, I “[27].
O mesmo ocorre em relação ao STJ, cuja Súmula n. 41 proclama: “O Superior Tribunal de Justiça não tem competência para processar e julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de outros Tribunais ou dos respectivos órgãos”. Acerca de atos praticados por outros Tribunais e expurgados pela ação mandamental em juízo, o STF, na Súmula n. 624, excluiu-os de sua competência, não obstante isso, também foi excluída a competência para processar e julgar quando a autoridade coatora for os Tribunais de Justiça dos Estados[28], entretanto, ressalvou nos casos em que o Tribunal de Contas da União for coator.
Quando ato praticado por autoridade delegada, também é cabível tal ação ou medida judicial outra que se fizer necessária[29].
Em relação aos Juizados especiais, compete à própria Turma Recursal o julgamento de mandado de segurança impetrado contra seus atos[30].
O segundo princípio básico para aferirmos a competência é o da natureza do direito (v.g. se trabalhista, civil, militar etc.)
Cuidam-se, ambos, de competências improrrogáveis, ditas ratione personae e ratione materiae.

7. Ato de autoridade pública

Pela redação do dispositivo constitucional, a impetração visa corrigir ou prevenir ação ou omissão, ilegal ou abusiva, praticada ou em vias de ser praticada, por autoridade pública[31].
Entretanto, trago a baila a capacidade legitima, ou não, ad causam para a Câmara Municipal impetrar tal ação constitucional visando proteger o Município, que me leva a traçar certos parâmetros consistentes ao presente estudo constitucional.
A controvérsia reside na possibilidade de tal órgão público do Poder Legislativo ter capacidade para intentar mandado de segurança e obter a prestação jurisdicional sem ofender as condições da ação. Na organização judiciária brasileira, as Câmaras Municipais não têm personalidade jurídica. Tem elas, apenas, personalidade judiciária, cuja capacidade processual é limitada para demandar em juízo, com o intuito único de defender direitos institucionais próprios e vinculados à sua independência e funcionamento, é do Município a legitimidade, e não da Câmara de Vereadores[32]. De acordo com a teoria do órgão, formulada por Otto Gierke, os atos praticados pelos órgãos são imputados à pessoa jurídica da qual fazem parte. Isto porque, não tendo personalidade jurídica, as obrigações assumidas. Entretanto a realidade jurídico-constitucional revela a existência de diversos órgãos independentes, integrantes dos entes federativos (corporações legislativas, tribunais, chefias de executivo, etc.) aos quais se tem conferido capacidade processual para defesa de competências, atribuições ou prerrogativas, que são direta ou indiretamente extraídas da Constituição. Daí a possibilidade de tais órgãos políticos ingressarem na via judicial em defesa de sua independência ou funcionamento, como tem reconhecido a jurisprudência pelos órgãos vinculam a pessoa coletiva, que fica responsável pelo seu adimplemento, portanto, diante da autonomia administrativa e financeira conferida à Câmara Municipal que possui, inclusive, CNPJ distinto do Município, bem como em homenagem ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes Executivo e Legislativo, reconhece-se a legitimidade ativa ad causam[33].
A Câmara Municipal não representa legal e judicialmente o Município, sendo assim, não possui legitimidade ad causam para intentar ação em favor desta pessoa jurídica de direito público interno.
Há quem reconheça que a personalidade judiciária pode prescindir da personalidade jurídica, sustentando que não se pode negar personalidade judiciária às câmaras municipais, dito desta forma:
“...se o direito deve servir ao homem e não aos esquemas; se há evidente conveniência pública em abrandar as disputas políticas pelo seu progressivo enquadramento judiciário; e se há numerosos casos em que o direito positivo reconhece personalidade judiciária a interesses ou associações não dotadas de personalidade jurídica, é perfeitamente legítima a tese da personalidade judiciária das câmaras municipais, cuja compatibilidade com o nosso regime político está evidenciada pela orientação judiciarista da CF vigente”. [34]

7.1. Ato normativo

Não cabe mandado de segurança contra lei em tese (Súmula n.266), entretanto tal entendimento não é absoluto, vide julgado do já extinto TFR na AMS 89.043/ DF, que consubstanciou a impetração da referida ação contra a resolução do Conselho Federal dos Corretores de Imóveis que exorbitou os limites legais que acarretou lesão ao direito subjetivo da categoria[35].
Houve julgado de ação mandamental processada e julgada no TRF- 1ª Região, na MAS – 200034000371520, DJ 26.02.07[36]: MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATO DE TRANSPORTE. RESPONSABILIDADE PELOPAGAMENTO DO VALOR DO PEDÁGIO. MEDIDA PROVISÓRIA 2.025/2000 (CONVERTIDA NA LEI 10.209/2001). INAPLICABILIDADE AOS CONTRATOS CELEBRADOS ANTES DE SUAENTRADA EM VIGOR.
1. Tratando-se de mandado de segurança preventivo, em que há o justo receio (Lei 1.533/1951, artigo 1º, "caput") da aplicação da norma por parte da autoridade, é inaplicável a vedação contida na súmula 266 do STF. Precedentes desta Corte.
2. O princípio da irretroatividade das leis, previsto no artigo 5º, inciso
XXXVI, da Carta Magna "se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional,
sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado,
ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva" (STF - ADI 493/DF, RTJ
143/724; Representação 1.451/DF, RTJ 127/789).
3. Assim sendo, o disposto no artigo 1º, § 1º, da Medida Provisória 2.025, de 3 de maio de 2000 (convertida na Lei 10.209/2001), que atribui ao embarcador a responsabilidade pelo pagamento do valor relativo ao pedágio dos veículos de carga, não se aplica aos contratos firmados antes de sua entrada em vigor, nos quais haja a previsão de que as despesas de pedágio são de responsabilidade
do transportador.

7.2 Atos judiciais ou jurisdicionais

Muitos juízes só aceitam mandado de segurança contra ato judicial se houver manifesta ilegalidade, ou se houver ato teratológico, mas na verdade, não é isso que quer o texto constitucional. Os atos dos juízes sujeitam-se ao mandado de segurança tanto quanto os atos dos membros do Poder Legislativo e Executivo, uma vez que aqueles – os magistrados – são tão agentes públicos, tão autoridade quanto estes últimos. Necessário, apenas, que o ato seja ilegal e abusivo. Realmente, não mais se pode negar a possibilidade de o juiz ser autoridade capaz de constranger indevidamente. Isso se dará toda vez que, ao agir em desconformidade com a lei ou com o abuso de poder, cause agravo ao jurisdicionado.[37]
O objeto do mandado de segurança em foco não é o possível direito líquido e certo que exsurge da abusividade ou da ilegalidade do ato judicial em si mesmo. Realmente, a se ter como assentado que o mandado de segurança contra ato judicial sujeito a recurso sem efeito suspensivo somente é cabível ante a iminência de risco de dano irreparável, o que se está afirmando é que o ato judicial ainda que ilegal, abusivo e ofensivo a direito líquido, é, por si só, inatacável pela via mandamental.[38] O mandado de segurança contra decisão judicial representa um expediente interino para assegurar o estado das coisas até que o recurso cabível pudesse ser examinado (RTJ, 118/743), sua função seria idêntica a da cautelar, ou seja, obter segurança para que o processo de conhecimento ou de execução leve a uma prestação jurisdicional útil (ZAVASCKI).
O STF trouxe na Súmula 267 o entendimento de que não é cabível mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou de correição[39]; de outro modo, aquele tribunal pacificou a idéia de que enquanto possível a mudança da decisão proferida pelo magistrado, ora pela via recursal ou pelos embargos de declaração, ainda não haveria chegado o momento adequado para intentar o mandammus. Traz o entendimento de que a inadmissibilidade da ação mandamental tange o aspecto de que o referido recurso tenha efeito suspensivo ou de que a antecipação da medida de correição não seja antecipada.[40] Alias, o mandado de segurança não suspende prazos preclusivos (RTJ, 120/73), o que revela total conformidade com a súmula supra, pois sem o referido recurso a decisão transitaria em julgado (RTJ, 118/730).
O STF em Súmula 268 destaca que o ato judicial transitado em julgado não é passível de mandado de segurança; muito embora tenha-se visto na doutrina que é cabível caso o direito se mostre líquido e certo uma vez que a ação rescisória pode-se apresentar ineficaz ou inadequada para evitar uma lesão irreparável ou de difícil reparação[41], entretanto, firmo-me em humilde entendimento acadêmico que pela força de coisa julgada, somente seria cabível a ação rescisória, o que me leva a concluir que o referido writ deveria ter sido impetrado antes da formação da perpetuação da decisão[42].
Em ambos os casos, serão admitidos a propositura da ação quando terceiro prejudicado for autor, visto que se presta a evitar a ilegal extensão de efeitos da sentença sobe quem não foi parte da lide, este não é obrigado a recorrer para fazer uso do mandado de segurança contra ato judicial[43], conforme assina a Súmula 202 do STJ.

8.Concessão de liminar em sede de writ mandamental

A possibilidade de concessão de liminar está prevista expressamente na lei do mandado de segurança, a concessão de liminar antecipa provisoriamente a prestação jurisdicional positiva, preservando a futura decisão[44].Assim, se, ao final do processo, for dado provimento positivo ao direito tutelado, mantém-se a eficácia da decisão, entretanto, se negativa, inutilizam-se os efeitos produzidos pela liminar, ou seja, efeito ex tunc, nesse condão vide súmula 405 do STF, que evidencia.
“Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária”.
A liminar, por sua natureza cautelar, exige pressupostos específicos e simultâneos o fumus boni júris e o periculum in mora, ou seja, fumaça de um direito ainda não certificado e o perigo de que se perca, para o titular, se não atendido de imediato (Eliana Calmon Alves).
Em separado, julgou o egrégio TRF-1ª Região, no AGMS-200601000210670, DJ 23.11.07, onde proclama: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO
CONTRA LIMINAR. DESCABIMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROVA DO ATO COATOR. AUSÊNCIA. ATO JUDICIAL. ART. 5º, II, DA LEI Nº 1.533/1951. SÚMULA Nº 267 DO STF. DESCABIMENTO. LIMINAR REVOGADA. AGRAVO REGIMENTAL E MANDADO DE SEGURANÇA NÃO CONHECIDOS.
1. Nos termos do § 1º, do art. 293, do RITRF/1ª Região, é incabível o agravo regimental interposto contra decisão de Relator que defere ou indefere liminar em mandado de segurança. Precedentes.
2. Para manejar o Mandado de Segurança, o impetrante deve demonstrar de pronto contra qual ato está se insurgindo, qual a lesão a direito seu líquido e certo, e em que consistiu a ilegalidade do ato dito coator, sem o que não se admite a impetração do writ.
3. A teor da Súmula nº 267 do Supremo Tribunal Federal, "não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição", exceto na hipótese de decisão manifestamente arbitrária, ilegal ou teratológica, conforme jurisprudência pacífica, no tema.
Defendendo o preceito normativo do artigo 522 do Código de Processo Civil Brasileiro, no acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça onde proferiu decisório nesses termos: Da decisão que nega ou concede liminar em mandado de segurança originário de Tribunal da referida decisão não cabe agravo de instrumento a ser julgado pelo STJ[45].

9. Legitimação ativa – impetrante

É o titular do direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data. Tanto pode ser pessoa física como jurídica, nacional ou estrangeira, domiciliada ou não em nosso país, além das universalidades reconhecidas por lei, como espólio, massa falida etc, como também os órgãos públicos despersonalizados, mas dotados de capacidade processual (chefia do Poder Executivo, Mesas do Congresso, Senado, Ministério Público etc), possuem, aliás, legitimidade ad causam as autoridades públicas, titulares dos chamados direitos-função, que têm por objeto a posse e o exercício da função pública pelo titular que a detenha.
No mandado de segurança coletivo, são legítimos os partidos políticos com representação no Congresso nacional e organização sindical, entidade de classe ou associação.

10. Legitimação passiva – impetrado

É a autoridade coatora. É pacífico o entendimento de que a indicação errônea da autoridade coatora prejudicará a ação, conseqüentemente, encerrando-a com a extinção do processo, sem julgamento de mérito. Há grande discussão jurisprudencial acerca do posicionamento da pessoa jurídica de direito público e da autoridade coatora que suportarão os efeitos da prestação jurisdicional mandamental.
Em relação à legitimidade passiva no mandado de segurança coletivo, aplicam-se as regras já estudadas no mandado de segurança individual.






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[1] Hely Lopes Meirelles.
[2] GUIMARÃES, Ary Florêncio. O mandado de segurança como instrumento de liberdade civil e de liberdade política. Estudos de direito processual em homenagem a José Frederico Marques.
[3] Alexandre de Moraes.
[4] RT 661/1126.
[5] Caio Tácito.
[6] Nesse sentido: Censol Agrícola Barbi, Ministro Carlos Mário Velloso, José da Silva Pacheco, Lourival Gonçalves de Oliveira, Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Calmom de Passos, Diomar Ackel Filho, Alexandre de Moraes Francisco A. de Oliveira, Paulo Lúcio Nogueira.
[7] Luis Carlos M.A.JR.
[8] Hely Lopes Meirelles.
[9] Alexandre de Moraes.
[10] Súmula 333, STJ.
[11] Súmula 625, STF.
[12] Súmula 213, STJ.
[13] Súmula 429, STF.
[14] Súmula 268, STF.
[15] STF, MS 22.500-9/PR.
[16] STJ-Resp. 17.295-0-CE; DJ 10.05.93.
[17] Alexandre de Moraes.
[18] RTJ 83/130.
[19] Hely Lopes Meirelles.
[20] José da Silva Pacheco e Constituição Federal de 1934.
[21] Eduardo Sodré.
[22] Cássio Scarpinella Bueno
[23] Maria Sylvia Zanella di Pietro.
[24] Analogia, costumes, equidade, princípios gerais de direito.
[25] RTJ 110/1026 e RDA 163/77.
[26] CF/88, arts. 102, I, d, 105, I, b, 108, I, c, 109, VIII e 125, § 1º, c/c normas das Constituições Estaduais e Leis de Organização Judiciária – LOJ.
[27] Arnaldo Esteves Lima. Mandado de Segurança: Aspectos Alusivos à Competência.
[28] STF, Súmula 330.
[29] STF, Súmula 510.
[30] STF, pleno, MS n. 24.691
[31] Sodré.
[32] STJ, Resp 946676, DJ 19.11.07.
[33] TRF 1ª Região, AMS- 200438020004890, DJ 27.07.07
[34] Victor Nunes Leal, RDA 15/49, defendendo esta corrente STJ- RMS 10.339,DJU 01.08.00 e o Min. Milton Luiz Pereira também do STJ.
[35] Nesse sentido, STF, RE 81847, STJ – RMS 21426.
[36] Nesse sentido, TRF-1ª Região, AMS-199801000031094; TRF- 1ª Região, AMS- 200032000017569; TRF-1ª Região, AMS-200401000135507; TRF-1ª Região, AMS- 199701000066421.
[37] Lucia Valle Figueiredo.
[38] Teori Albino Zavascki. A Função Cautelar do Mandado de Segurança Contra Ato Judicial.
[39] Vide art. 5, II, da lei n. 1.533/51.
[40] Carlos Alberto de Salles.
[41] Antonio César Bochenek.
[42] Fundamento Julio Pinheiro Faro Homem Siqueira.
[43] TRF-1ª, MS- 200201000048630, embora haja julgado no STJ que admite embargos de terceiro para confrontar o ato judicial(STJ, RMS 23318, DJ 10.12.07
[44] Eliana Calmon Alves. Concessão de Liminares.
[45] STJ, AgRg no Ag 903232, DJ 30.11.07.