segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Pessoa jurídica é a entidade abstrata com existência e responsabilidade jurídica, com capacidade de direito para os atos civis desde o seu registro, entretanto, incapazes de fato, com escopo de adquirir direitos e contrair obrigações. “Surge através da simples aglomeração de pessoas vinculadas, psiquicamente, de fato pela affectio societatis” (TAMG-Ap. Cível Acórdão 0213261-2,30-4-96,1ª Câmara Cível-Rel. Herondes de Andrade).
“As pessoas jurídicas são seres finalísticos e escriturais; finalísticos por serem constituídos para fins específicos (o objeto social), razão última do artifício jurídico de atribuir personalidade própria, distinta da personalidade de seu membro ou membros. Escriturais, em virtude de sua existência jurídica ter um lastro documental necessário: seus elementos identificadores, caracterizadores e seu funcionamento estão obrigatoriamente inscritos num ato constitutivo (contrato social ou estatuto social); sua existência jurídica principia a partir do registro jurídico válido desse ato de constituição; finalmente, seus atos são inscritos em registros contábeis próprios”.(MAMEDE, Gladston. MANUAL DE DIREITO EMPRESARIAL. Ed. Atlas. 2005).
Visa à consecução de certos fins, seja adquirir direitos ou contrair obrigações no mundo empresarial, entretanto, muitos perceberam que poderiam utilizar a personalidade jurídica dessa entidade abstrata com o objetivo de praticar atos ilícitos, fraudatórios, buscando atingir fins escusos ou prejudicar terceiros. Nessas palavras assina Rubens Requião: “todos percebem que a personalidade jurídica pode vir a ser usada como anteparo da fraude, sobretudo para contornar as proibições estatutárias do exercício do comércio ou outras vedações legais”.
Verificada esta violação deve ser desconsiderada a pessoa jurídica buscando adequá-la aos fins para a qual foi criada, o desvio da função faz com que deixe de existir a razão da separação patrimonial. (RODRIGUES, Simone Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 11, jul-set/94, p. 7.)
Desvirtuada a utilização da pessoa jurídica, nada mais eficaz do que retirar os privilégios que a lei assegura, isto é, descartar a autonomia patrimonial no caso concreto, esquecer a separação entre sociedade e sócio.(SERICK, Rolf, Apariencia y realidad em las sociedades mercantiles: El abuso de derecho por meido de la persona jurídica. Traduccíon y comentarios de derecho Español por José Puig Brutau. Barcelona: Ariel, 1958, p. 241).
Não se trata de considerar sistematicamente nula a pessoa jurídica, mas, em caso específico e determinado, não a levar em consideração. Tal não implica, como regra geral, negar validade à existência da pessoa jurídica. (VENOZA, Silvo de Saulo. Teoria geral de Direito Civil, vol. 1)
“ desconsideração da personalidade jurídica não implica o fim da sociedade; não é, portanto, um ato definitivo, a significar que a pessoa jurídica foi extinta e que os sócios e/ou administradores responderão por todas as suas obrigações. Excetuada a hipótese de se desconstituir a personalidade jurídica em processo de falência ou insolvência da sociedade, sua existência e funcionamento preservam-se”.(MAMEDE, Gladston. MANUAL DE DIREITO EMPRESARIAL. Ed. Atlas. 2005).
São requisitos da despersonalização: pessoa jurídica, devidamente inscrita no registro público em órgão competente (CC, art. 18); responsabilidade limitada dos sócios, ou seja, sociedade anônima ou sociedade por quotas de responsabilidade limitada; fraude, abuso de poder, desvinculação do fim colimado relacionado à autonomia patrimonial; Imputação da responsabilidade do dano pelo sócio.
Nesses termos, o juiz, após desconsiderar a pessoa jurídica, executa os bens dos sócios responsáveis para que respondam pelos danos cometidos, apontando qual ou quais obrigações deverão ser solvidas. Todas as demais relações jurídicas da sociedade não são afetadas pelo deferimento da desconsideração da personalidade jurídica em relação a uma ou mais obrigações. (MAMEDE) Cabe salientar que não cabe mandado de segurança contra este ato judicial. “EXECUÇÃO. FRAUDE. CONFUSÃO PATRIMONIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. MANDADO DE SEGURANÇA. VIA IMPRÓPRIA. 1 - Não cabe mandado de segurança contra ato judicial de constrição de bens dos sócios, diante da desconsideração da pessoa jurídica, pela constatação de fraude e confusão patrimonial, haja vista a possibilidade de os prejudicados atacarem o ato pela via própria (súmula 267/STF). Além disso, o assunto demanda inegável dilação probatória, não condizente com a via angusta do writ. Precedentes do STJ.2 - Recurso ordinário não provido.”
(STJ-RMS 21417 / SP-2006/0028123-0 – Rel. Min FERNANDO GONÇALVES - DJ 03.09.2007 p. 177).
Não serão todos os sócios que responderão pelo dano ocorrido, mas tão somente os responsáveis pelo gravame. Poderá, além dos sócios, responder pela desvirtuação da finalidade precípua da entidade o administrador ou uma empresa coligada.

Desconsideração da pessoa jurídica no código de defesa do consumidor.
“O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.(CDC, art. 28).
Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores (CDC, art. 28, §5º)
Trata-se de aplicação exclusiva as relações de consumo, não podendo estendê-las para outras relações jurídicas, exceto por analogia.
Há abuso de direito qunado o exercício de um direito excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Há excesso de poder como ato que foge à atribuição de competência e poderes para atuar em nome da sociedade. Configura-se ato ilícito na relação de fornecimento, lesando o consumidor, nesta qualidade. (MAMEDE)
Má administração, definida assim por Fábio Ulhoa como a conduta do administrador eivada de erros, por desatender as diretrizes técnicas da ciência da administração. Afirma Mamede que é parâmetro que também alcança as infrações à ordem econômica, por força do artigo 18 da lei 8.884/94.
Haverá desconsideração de grupos, consórcios e sociedades coligadas nas hipóteses de sociedades que mantêm entre si alguma relação.
Dissertando acerca diso, Marlon Tomazette ensina:
“Nos grupos, cujo conceito é controvertido, há responsabilidade subsidiária, vale dizer, se a sociedade causadora do dano ao consumidor, não tiver condições de ressarci-lo, o consumidor poderá se socorrer do patrimônio das demais integrantes do grupo. Já nos consórcios (reuniões de sociedades para realizar determinado empreendimento – art. 278 da Lei 6.404/76) a responsabilidade é solidária, ou seja, o consumidor escolhe entre as integrantes do consórcio aquela da qual ele irá cobrar o seu prejuízo. Por fim, há referência às sociedades coligadas ( ma é sócia da outra com mais de 10% do seu capital, sem controlá-la - artigo 245, § 1º da Lei 6.404/76), exigindo-se a culpa para responsabilização da sociedade que não agiu perante o consumidor.” (Marlon Tomazette. A desconsideração da pessoa jurídica: a teoria, o CDC e o novo Código Civil)
Não há a desconsideração propriamente dita, mas sim a consideração dessas pessoas a fim de responsabilizá-las pelo eventual dano ocorrido.
Conclui Marçal Justen Filho que: “a escolha por uma desconsidera~çao mais ou menos extensa, então, não é produzida por atenção específica à natureza do risco de sacrifício, mas à extensão do abuso. Quanto mais ampla for a utilização abusiva da pessoa jurídica, tanto mais extensa será a desconsideração”.

Dr. Felipe F. Santos