terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

CRIMES PRETERDOLOSOS

CRIME PRETERDOLOSO[1]

CONCEITO: É UMA DAS QUATRO ESPÉCIES DE CRIME QUALIFICADO PELO RESULTADO. É UM ÚNICO DELITO, QUE RESULTA DA FUSÃO DE DUAS OU MAIS INFRAÇÕES AUTÔNOMAS. CRIME COMPLEXO, PORTANTO.
MOMENTOS DO CRIME:

A. DENOMINADO FATO ANTECEDENTE REALIZA-SE O CRIME COM TODOS OS SEUS ELEMENTOS;
B. FATO CONSEQÜENTE PRODUZ-SE O RESULTADO AGRAVADOR.

NA PRIMEIRA PARTE, HÁ UM CRIME PERFEITO E ACABADO, PRATICADO A TÍTULO DE DOLO OU CULPA, AO PASSO QUE, NA SEGUNDA, UM RESULTADO AGRAVADOR PRODUZIDO DOLOSA OU CULPOSAMENTE ACABA POR TIPIFICAR UM DELITO MAIS GRAVE. EXEMPLO: A OFENSA À INTEGRIDADE CORPORAL DE OUTREM, POR SI SÓ, JÁ CONFIGURA O CRIME PREVISTO NO ART. 129, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL, MAS, SE O RESULTADO FINAL CARACTERIZAR UMA LESÃO GRAVE OU GRAVÍSSIMA, ESSA CONSEQÜÊNCIA SERVIRÁ PARA AGRAVAR A SANÇÃO PENAL, FAZENDO COM QUE O AGENTE RESPONDA POR DELITO MAIS INTENSO.
ESPÉCIES:
DOLO NO ANTECEDENTE E DOLO NO CONSEQUENTE. EXEMPLO: LESÃO CORPORAL NA PRIMEIRA E NATUREZA GRAVE OU GRAVÍSSIMA DAS LESÕES NA SEGUNDA.
CULPA NO ANTECEDENTE E CULPA NO CONSEQUENTE, POR EXEMPLO: INCÊNDIO CULPOSO NA PRIMEIRA E HOMICÍDIO CULPOSO DAS PESSOAS QUE SE ENCONTRAVAM NO LOCAL NO SEGUNDO.
CULPA NO ANTECEDENTE E DOLO NO CONSEQUENTE. POR EXEMPLO, LESÃO CORPORAL CULPOSA DE TRANSITO NA PRIMEIRA E OMISSÃO DE SOCORRO NA SEGUNDA.
CONDUTA DOLOSA E RESULTADO AGRAVADOR CULPOSO (CRIME PRETERDOLOSO OU PRETERINTENCIONAL).OU SEJA, DOLO NO ANTECEDENTE E CULPA NO CONSEQUENTE. POR EXEMPLO, ROUBO, ESTUPRO NA PRIMEIRA E MORTE DA VÍTIMA NA SEGUNDA.
TENTATIVA NO CRIME PRETERDOLOSO: É IMPOSSÍVEL, JÁ QUE O RESULTADO AGRAVADOR NÃO ERA DESEJADO, E NÃO SE PODE TENTAR PRODUZIR UM EVENTO QUE NÃO ERA QUERIDO. ENTRETANTO, NO CRIME QUALIFICADO PELO RESULTADO EM QUE HOUVER DOLO NO ANTECEDENTE E DOLO NO CONSEQUENTE, SERÁ POSSIVEL A TENTATIVA, POIS O RESULTADO AGRAVADOR TAMBÉM ERA VISADO. EXEMPLO: O AGENTE JOGA ÁCIDO NOS OLHOS DA VÍTIMA COM O INTUITO DE CEGÁ-LA. SE O RESULTADO AGRAVADOR FOI PRETENDIDO E NÃO SE PRODUZIU POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS A SUA VONTADE, RESPONDERÁ O AUTOR POR TENTATIVA DE LESÃO CORPORAL QUALIFICADA (CP, ART. 129, §2, III, C/C O ART. 14, II).
FERNANDO CAPEZ SUSTENTA A POSSIBILIDADE DE EXCEÇÃO A REGRA DA TENTATIVA NOS CRIME PRETERDOLOSO, NOS CASOS DE ABORTO QUALIFICADO PELA MORTE OU LESÃO GRAVE DA GESTANTE (CP, ART. 127), EM QUE O FETO SOBREVIVE, MAS A MÃE MORRE OU SOFRE LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE OU GRAVÍSSIMA, NESTE CASO, SERIA, EM TESE, POSSÍVEL ADMITIR UMA TENTATIVA DE CRIME PRETERDOLOSO, POIS O ABORTO FICOU NA ESFERA TENTADA, TENDO OCORRIDO O RESULTADO AGRAVADOR CULPOSO. CONTINUANDO, NO ENTENTANTO ENTENDO QUE, MESMO NESSE CASO, O CRIME SERIA CONSUMADO, AINDA QUE NÃO TENHA HAVIDO SUPRESSÃO DA VIDA INTRA-UTERINA, NOS MESMOS MOLDES QUE OCORRE NO LATROCÍNIO, QUANDO O ROUBO É TENTADO, MA A MORTE CONSUMADA.

[1] MATÉRIA RETIRADA DO LIVRO CURSO DE DIREITO PENAL, PARTE GERAL DO AUTOR FERNANDO CAPEZ.

PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE - CÓDIGO PENAL

AUTOR:
FELIPE F SANTOS
ACADÊMICO DE DIREITO DA UNISANTOS E ESTAGIÁRIO DA 3 VARA FEDERAL DE SANTOS - TRF -3

DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE.

Crimes de perigo e de dano. O delito de dano consuma-se com a efetiva lesão a um bem juridicamente tutelado e o crime de perigo contenta-se com a mera probabilidade de dano[1]. Explique-se: no crime de dano exige-se uma efetiva lesão ao bem jurídico protegido para a sua consumação (homicídio, furto, dano etc); já no crime de perigo, para haver consumação, basta a possibilidade do dano, ou seja, a exposição do bem a perigo de dano (crime de periclitação da vida ou saúde de outrem)

1.1. Subdivisão dos crimes de perigo[2].
a. Crime de perigo concreto: quando a realização do tipo exige a existência de uma situação de efetivo perigo;
b. Crime de perigo abstrato: no qual a situação de perigo é presumida;
c. Crime de perigo individual: que é o que atinge uma pessoa ou um número determinado de pessoas;
d. Crime de perigo comum ou coletivo: que é aquele que só se consuma se o perigo atingir um número indeterminado de pessoas, por exemplo, incêndio (CP, art. 250);
e. Crime de perigo iminente: que é o que pode advir da conduta, por exemplo, porte de arma de fogo, quadrilha ou bando.

Perigo concreto e perigo abstrato.
Considera-se perigo concreto como a probabilidade de ocorrência de um dano que necessita ser devidamente provada pelo órgão acusador. Define-se perigo abstrato como a probabilidade de dano presumida pela lei, que independe de prova no caso concreto.
Simplificando:
Perigo concreto: Depende de prova.
Perigo abstrato: Independe de prova – Presunção de lei.

Exemplo:
Perigo concreto: Dar um tiro na direção de alguém – necessita da prova da situação fática e da prova do perigo, ou seja, de que o disparo passou próximo ao corpo da pessoa.
Perigo abstrato: Para a tipificação do delito basta a acusação fazer prova do fato (portar droga, entorpecente), vide lei de Tóxico, art. 16; “ O crime tipificado no art. 16 da lei de tóxicos é de perigo abstrato contra a saúde publica, sendo desinfluente, para a sua caracterização, a quantidade de entorpecente” (STJ, RHC 8.777-SP, DJ 14.02.2000).

PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO
3.1. Núcleo do tipo: Expor significa colocar em perigo ou deixar a descoberto.
3.2. Objeto da conduta: contágio de moléstia venérea.
3.3. Elemento subjetivo do tipo:
3.4. Sujeito ativo e passivo: a)Ativo: qualquer pessoa contaminada por doença sexualmente transmissível; b) Passivo: qualquer pessoa.
3.5. Relação sexual: É o coito. Guilherme de Souza Nucci ensina que é a união estabelecida entre duas pessoas através da prática sexual, abrangendo o sexo anal, vaginal ou oral.
3.6. Ato libidinoso: Entende-se qualquer ato que dá ao outro prazer e satisfação sexual. Abrange qualquer ato que seja passível de transmitir doenças.
3.7. Moléstia venérea: Doença transmissível através de contato sexual. No caso concreto, o magistrado nomeará perito (médico Cadastrado no C.R. M) para a avaliação da enfermidade.
3.8. Utilização de preservativo: não configurará o delito, pois inexiste a conduta de colocar em perigo o sujeito passivo. Embora seja crime de perigo abstrato, é indispensável que o núcleo do tipo se concretize – expor – o que somente se dá, se o sujeito ativo atue sem qualquer prudência, cautela mediana.
3.9. Dolo direto[3] ou eventual: a expressão “sabe” significa que o sujeito ativo sabe do seu estado de enfermidade (doença) e pratica a relação sexual sem qualquer diligência (vontade do agente). Na expressão “deve saber” consiste no dolo eventual, querendo dizer que o agente, diante do estado de saúde que apresenta, deveria ter noção de que está contaminado e, conseqüentemente, assume o risco de transmitir a doença à pessoa com quem mantém relação sexual[4].
3.10. Modalidade Culposa: Há discussão doutrinária acerca disso, onde se sustenta a possibilidade de se considerá-la quando o agente agir por nítida negligência em relação ao seu estado de saúde, ao passo que a outra corrente doutrinária corrobora o entendimento de que não há forma culposa, pois não há referência no tipo legal dos elementos da modalidade culposa (imprudência, negligência e imperícia), pois a culpa deve ser expressa na lei penal, já que não pode ser presumida.
3.11. Objeto material e jurídico: a) objeto material é a pessoa que mantém relação com o contaminado; b) objeto jurídico: vida, saúde.
3.12. Classificação:
a) Crime próprio: demanda sujeito ativo qualificado que é a pessoa contaminada;
b) Formal: delito que não exige necessariamente a ocorrência de um resultado naturalístico;
c) Comissivo: “expor” implica uma ação;
d) Instantâneo: visto que o resultado se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo para a consumação;
e) Crime de Perigo abstrato: Consome-se apenas com a prática da relação sexual ou do ato libidinoso;
f) Crime unissubjetivo: ou seja, que pode ser praticado por um só agente;
g) Crime plurissubsistente: via de regra, vários atos integram a conduta;
h) Admite-se tentativa.
3.13. Dolo de Dano.
Vontade de produzir uma lesão efetiva a um bem jurídico (Fernando Capez. Curso de Direito Penal, Parte Geral). Em seu parágrafo primeiro, o art. 130 contempla o dolo de dano, nesse o agente:
a) Está contaminado; b) sabe que está contaminado; c) quer transmitir a doença.
Havendo ou não o contágio, responderá o agente pela figura do art. 130, §1º. Entretanto, justamente porque a sua vontade é transmitir a doença, caso obtenha sucesso, atingindo formas mais graves de lesão, deverá responder por lesão grave ou gravíssima e até por lesão corporal seguida de morte, conforme o caso. Se ocorrer lesão corporal leve, fica absorvida pelo delito mais grave, que é a forma descrita no art. 130, §1º. Assim, o agente pode:
a. Está e sabe estar contaminado + pratica rel. sexual (sem proteção) + não quer transmitir a doença = art. 130, caput primeira parte.
b. Está e deve saber que está contaminado + pratica rel. sexual (sem proteção) = art. 130, caput segunda parte.
c. Está e sabe que está contaminado + quer transmitir a doença (dolo de dano ) + pratica rel. sexual (conseguindo ou não o contágio)= art. 130, § 1º.
d. Está e sabe que está contaminado + quer transmitir a doença para afetar a saúde da vítima = art. 129, §§ 1º ou 2º, a ser lesão corporal grave ou gravíssima. Ou até, lesão corporal seguida de morte, conforme o caso.
e. Está e sabe que está contaminado + quer transmitir a doença para afetar a saúde da vítima + a vítima padecia de saúde precária e morre pela referida enfermidade transmitida = art. 121.

3.14. Ação pública condicionada. Ou seja, depende de representação do agente passivo para que o MP possa agir. Óbvio que, na hipótese de incidência dos arts. 129 e 121 a ação será de ação pública incondicionada.
3.15. AIDS – não é considerada doença venérea, pois a referida doença possui outras formas de transmissão que não são as vias sexuais. Desse modo, o agente ativo poderá responder por tentativa de homicídio ou homicídio consumado, de acordo com o caso concreto.

PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE.
4.1. Análise do tipo penal: O agente quer e pratica ato capaz de produzir o contágio de moléstia grave da qual é portador com o claro objetivo de transmitir o mal a outrem.
4.2. Sujeito ativo e passivo: a) Ativo: pessoa contaminada por moléstia grave contagiosa; b) qualquer pessoa[5].
4.3. Elemento subjetivo do tipo específico (também chamado de dolo especifico): não basta que o agente pratique o ato capaz de produzir o contágio, mas que tenha intenção de transmitir a moléstia (Ato + vontade de contaminar). Nesses termos, só há dolo direto, acrescido do elemento subjetivo do tipo específico. Não há forma culposa.
4.4. Objetos material e jurídico: a) objeto material: pessoa que sofre o contágio ou corre o risco de contaminar-se; b) objeto jurídico: vida e saúde.
4.5. Moléstia grave: Doença séria, que inspira preciosos cuidados, sob pena de causar seqüelas ponderáveis ou mesmo a morte do portador (NUCCI).
4.6. Ato capaz de produzir o contágio: ou seja, qualquer ato capaz de conduzir, direta ou indiretamente, a doença sem qualquer restrição ou limitação.
4.7. Classificação:
a. Crime próprio: pois demanda sujeito ativo qualificado ou especial: alguém contaminado.
b. Formal: não exige necessariamente um resultado naturalístico; o simples ato capaz de produzir o contágio tipifica o crime.
c. Forma livre: pode ser cometido por qualquer meio escolhido pelo agente;
d. Omissivo: praticar implica ação;
e. Excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio): aplicação do art. 13, §2 º do CP[6];
f. Instantâneo: cujo resultado – contágio, perigo de contágio – se dá de maneira instantânea;
g. Dano: na essência, embora haja possibilidade de se punir o iter criminis, que já expõe a vítima a perigo, como delito consumado, ou seja, consuma-se com a efetiva lesão à saúde ou com a simples exposição a perigo.
h. Unissubsistente ou plurissubsistente: se a condução da doença for efetivada por único ou vários atos; Admite-se tentativa na forma plurissubsistente.

4.8. Aplicação da pena da lesão corporal grave, gravíssima ou seguida de morte:
Prossegue-se da mesma forma que o crime de perigo de contágio venéreo. Nesse caso, prevê a forma do art. 129, §§ 1 ou 2, conforme o caso, tendo em vista que o dolo é de dano.
Somente a lesão simples fica absorvida por este delito (CP, art. 129, caput).
Com a morte da vítima, haverá o crime preterdoloso: lesão corporal seguida de morte (CP, art. 129, §3º).

[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado.
[2] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, Parte Geral.
[3] Para nunca esquecer: dolo direto é a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado (teoria da vontade), ocorre quando o agente quer diretamente o resultado. Oposto do dolo indireto (ou eventual) onde o agente não quer diretamente o resultado, mas aceita a possibilidade de produzi-lo ou não se importa em produzir este ou aquele resultado (dolo alternativo) – vale lição de Fernando Capez “ o agente expressa pela sua conduta:” eu não quero, mas se acontecer, para mim tudo bem, não é por causa deste risco que vou parar de praticar minha conduta – não quero, mas também não me importo com a sua ocorrência).
[4] GUILHERME DE SOUZA NUCCI.
[5] Há referência doutrinária, meramente acadêmica e pouco vista na prática, no sentindo da hipótese de haver sujeito passivo enfermo, desde já assenta-se que a doença transmitida pelo agente ativo pode agravar a perturbação da saúde da vítima. Entretanto, se o agente e a vítima possuírem a mesma doença, não haverá possibilidade de piorar a doença que já os perturbam. (Guilherme de Souza Nucci)
[6] São delitos cuja conduta envolve um não fazer típico que pode - ou não – dar causa a um resultado naturalístico. Para tanto, o agente deve ser garantidor - possui o dever de agir, imposto por lei -, deixando de atuar, dolosa ou culposamente, auxiliando na produção do resultado. Por exemplo, policial, bombeiro, médico, enfermeiro etc.