quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

TROTE EM UNIVERSIDADES

Neste período do ano, além de malabaristas, representantes de entidades assistenciais e pedintes, os motoristas estão se deparando nos semáforos com o bichos, estudantes que acabaram de entrar na faculdade.
Eles pedem algum trocado para entregar aos veteranos (alunos dos anos mais avançados) e, normalmente, o que é arrecadado serve para realizar uma festa ou somente para custear uma tarde no boteco mais próximo. Tudo em nome da confraternização.
O Trote ocorrido por alguns universitários da UNIMES E UNIFESP nós, estudantes de Direito da UNISANTOS, repudiamos. Repudiamos qualquer trote que tenha humilhações públicas, ingestão de álcool e drogas, pintura do corpo, corte dos cabelos ou qualquer outro tipo de agressão física ou moral.
A lógica que sustenta o trote – a dominação de um sujeito "mais instruído" sobre outro "menos instruído" – começa nos primeiros dias de universidade mas não acaba na formatura. O sujeito que sofre e depois aplica o trote durante todo o período universitário termina o curso impregnado dessa "verdade natural" e continua aplicando o trote nos calouros da vida. É a “tradição”.

Muitos veteranos favoráveis à tradição afirmam que, apesar de concordar com a reflexão exposta neste ensaio, são contra a opressão social. O escritor Henry Thoreau, no livro A Desobediência Civil, analisa essa questão de forma bastante didática: "Existem milhares de pessoas que se opõem teoricamente à escravidão e à guerra, e que, no entanto, efetivamente nada fazem para dar-lhes um fim; (...) O que devemos fazer, de qualquer maneira, é verificar se não nos estamos prestando ao mal que condenamos", escreve. Alguns veteranos, mesmo depois de ler trechos desta argumentação, insistem em justificar suas ações afirmando que o trote é uma brincadeira, uma forma de integração, e que os calouros devem aceitar a tradição, etc. O educador Paulo Freire escreve, no livro Pedagogia do Oprimido, citando Simone de Beauvoir, que "na verdade, o que pretendem os opressores 'é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime', e isto para que, melhor adaptando-os esta situação, melhor os domine".O trote poderia ser entendido, portanto, como a ponta do iceberg, um mero sintoma dessa lógica que afirma o direito do mais forte ditar regras desfavoráveis ao mais fraco. Será mesmo? Ou será que o trote é justamente o ritual que provoca no jovem esse comportamento? Será o trote o alimento dessa mentalidade, digerido pela faixa etária que se caracteriza pelo processo de solidificação do caráter: adolescentes de 17 e 18 anos? Será que a derradeira função social do trote é reafirmar e garantir o direito natural de dominação da minoria de nível universitário sobre a maioria sem escolarização?
A proposta do Centro Acadêmico “Alexandre de Gusmão” (Direito/UNISANTOS) vai ao encontro da campanha Veterano Acolhedor, lançada pelo Conselho Municipal Antidrogas (Comad), de Santos, com o objetivo de conscientizar os estudantes das universidades da cidade para um acolhimento humanizado aos calouros de 2008, pois sempre incentivamos o trote solidário, tradicionalmente praticado em ações como arrecadação de alimentos, doação de sangue, entre outras atividades sociais. Somos o único Centro Acadêmico que participou das reuniões do COMAD (Conselho Municipal Antidrogas de Santos) e temos certeza que a melhor integração não é a humilhação e sim despertar veteranos e calouros para uma nova forma de integração que fosse acompanhada de consciência social e de participação ativa.

Gihad Menezes
Presidente do Centro Acadêmico “Alexandre de Gusmão”

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